terça-feira, 26 de maio de 2009

30 conselhos vindo do coração


Este texto é atribuído a Künkhyen Longchen Rabjam Drime Özer, também conhecido como Longchenpa, considerado um dos maiores mestres do budismo tibetano da linhagem Nyingma.


O nome Longchenpa traz como atributo “Imenso Conhecimento”, o que faz com que ele seja algumas vezes receba o título de “Segundo Buddha”, uma honra geralmente conferida a Padmasambhava, que foi o responsável por levar o budismo para o Tibet.


No meio do céu totalmente abarcante de sua sabedoria, o espaço absoluto, sua compaixão se manifesta em forma de raios luminosos que brilham das nuvens, fazendo brotar a chuva abundante de néctar em forma de gotas de sabedoria que caem incessantemente na mente dos seres, umedecendo e amadurecendo a semente de sabedoria, a semente dos três kayas.


Nos prostramos ao Lama, o protetor, o supremo das três jóias.


Pelo poder das minhas aspirações, tive a honra de pertencer à linhagem suprema; mas, por falta de diligência, esta existência vivida em vão chega agora ao seu crepúsculo. Gostaria de me manifestar como os rishis, mas, assim como outros iguais a mim, me encontro agora totalmente deprimido.


Por este motivo, para que possa despertar na minha mente a clara renúncia, compus estes trinta conselhos vindos do coração.


[1] Ah! Tendo atraído um grande círculo de pessoas através de meios hábeis, podemos estar no apogeu do estado monástico. Por outro lado, isto também pode ser a fonte de intrigas e razão para um grande autocentramento.


Mantenha-se centrado apenas na prática — este é o meu conselho do coração.


[2] Em ocasião de cerimônias, com a motivação de remover obstáculos e de oprimir os maus espíritos, podemos talvez exibir nossas qualidades em público. Mas, por apego à comida e às riquezas, é a nossa própria mente que estará sendo dominada pelos demônios.


Seja o senhor de sua própria mente — este é o meu conselho do coração.


[3] Após termos coletado grandes contribuições de pessoas humildes, podemos então construir estátuas e monumentos, espalhar esperanças e assim por diante. No entanto, isto só contribui para que outros acumulem deméritos em solos virtuosos.


Apenas mantenha sua mente na virtude — este é o meu conselho do coração.


[4] Visando a própria grandeza, explicamos o Dharma aos outros e, através de truques enganosos, adquirimos o poder de reter um grande círculo de pessoas humildes e importantes. No entanto, uma mente apegada a tais ações é fonte de orgulho.


Tenha planos de curto alcance — este é o meu conselho do coração.


[5] Vender ou emprestar, motivados pelo próprio interesse e todas essas ações equivocadas — com a riqueza acumulada desta maneira equivocada, podemos fazer imensas oferendas, mas os méritos ancorados na avareza são a fonte dos oito dharmas mundanos.


Medite sobre a rejeição do desejo e do apego — este é o meu conselho do coração.


[6] Agindo como testemunha, fiador, nos envolvendo em julgamentos da lei, podemos resolver intrigas alheias, acreditando estar agindo para o bem de todos. No entanto, a indulgência desperta aspirações autocentradas.


Mantenha-se sem expectativas ou apreensões — este é o meu conselho do coração.


[7] Atividades tais como administração de províncias, ou mesmo o fato de possuirmos muitas riquezas materiais e inúmeros empregados, podem nos trazer enorme renome internacional. No entanto, na hora da morte, todas essas coisas não têm a menor utilidade.


Mantenha-se focado na prática — este é o meu conselho do coração.


[8] Tesoureiros, atendentes, cozinheiros e pessoas em posições competentes são os pilares da comunidade monástica. Mas a mente interessada nisso é a causa de preocupações.


Minimize essa confusão administrativa, este é o meu conselho vindo do coração.
[9] Podemos nos equipar com todos os objetos necessários quando em retiro isolado nas montanhas, como objetos religiosos, livros, oferendas e utensílios para a cozinha. No entanto, estar bem equipado neste momento é a fonte de dificuldades e intrigas.


Simplifique a sua vida, esta é o meu conselho vindo do coração.


[10] Em tempos de degenerescência, podemos reprovar pessoas grosseiras à nossa volta. Apesar de acharmos que isso será de utilidade para elas, essas atitudes não passam de pensamentos venenosos.


Apenas pronuncie palavras pacificadoras— este é o meu conselho do coração.


[11] Com uma boa motivação e cheios de afeição, podemos apontar às pessoas os seus defeitos, apenas desejando seu bem. Ainda assim, apesar de ser verdadeiro o que dizemos, isto vai amargurar os seus corações.


Limite-se às palavras amáveis e construtivas, este é o meu conselho vindo do coração.


[12] Com a motivação de preservar a pureza dos ensinamentos do Buddha, podemos entrar em debates, defendendo nosso ponto de vista e contradizendo os pensamentos de outros. No entanto, seguindo este caminho, estaremos induzindo a pensamentos impuros.


Mantenha seu silêncio— este é o meu conselho do coração.


[13] Acreditando estar contribuindo para o Dharma, podemos apoiar de uma maneira partidária a linhagem e as visões filosóficas do Lama. No entanto, honrar uns e menosprezar outros fortalece os nossos apegos e raivas.


Mantenha-se afastado dessas coisas — este é o meu conselho do coração.


[14] Tendo contemplado profundamente o Dharma, podemos chegar à conclusão de que compreender os erros alheios é a prova de que manifestamos a sabedoria discriminativa. No entanto, pensando desta maneira, apenas acumulamos deméritos.


Olhe tudo como verdadeiramente puro — este é o meu conselho do coração.


[15] Fixando-se na vacuidade e ignorando a lei da causa e efeito, podemos pensar que a não-ação é o verdadeiro ensinamento do Buddha, o ponto último do Dharma. No entanto, o abandono das duas acumulações extinguirá a prosperidade da nossa prática.


Una esses dois pontos, a ação correta com a compreensão da vacuidade — este é o meu conselho do coração.


[16] No que diz respeito à terceira iniciação, há, entre outras coisas, a diminuição da essência. Podemos pensar que o caminho do corpo físico de uma outra pessoa nos guiará para um progresso extraordinário. No entanto, muitos grandes meditantes também já foram vítimas desse caminho impuro.


Permaneça apenas no caminho da liberação — este é o meu conselho do coração.


[17] Conceder iniciações a pessoas não qualificadas e distribuir aleatoriamente textos sagrados são uma fonte de abuso e quebra de samaya.


Prefira um comportamento correto — este é o meu conselho do coração.


[18] Podemos tomar ações excêntricas, como andar nu em público ou coisas parecidas, como sendo corretas e dignas de um grande yogi, mas esse tipo de atitude só degrada o Dharma e faz com que pessoas percam a fé nos ensinamentos.


Pondere todas as suas ações — este é o meu conselho do coração.


[19] Em várias etapas do caminho, pelo desejo de grande reconhecimento, podemos agir de maneira convencional e astuta. No entanto, esta é a causa da queda dos reinos superiores para os inferiores.


Não produza a ansiedade de ser o melhor nem se desinteresse pelo caminho— este é o meu conselho do coração.


[20] Independente de habitamos em cidades, mosteiros ou de estamos em retiros isolados nas montanhas, deveríamos, sem procurar ou insistir, ser cordiais com todos, sem nem demasiada intimidade nem anonimato.


Mantenha sua própria independência — este é o meu conselho do coração.


[21] Assumindo uma atitude artificial, podemos prestar homenagem aos protetores que cuidam de nós durante a nossa existência. Mas fingir às custas dos outros nos leva à própria complicação.


Aja de modo uniforme com todas as pessoas — este é o meu conselho do coração.


[22] Existem incontáveis textos e informações sobre adivinhações, astrologia, medicina e assim por diante. Apesar de todos eles lidarem com métodos baseados na interdependência, nos levando assim à onisciência, um interesse demasiado nesses temas provoca a dispersão mental, nos tirando do caminho da prática da contemplação.


Minimize os estudos dessas ciências — este é o meu conselho do coração.


[23] No momento em que estivermos preocupados em organizar o interior, podemos nos sentir confortáveis, mesmo em meio à plena solidão. No entanto, podemos estar jogando uma vida inteira fora com esses detalhes triviais.


Mantenha-se afastado dessas atividades — este é o meu conselho de coração.


[24] Através da erudição, virtuosidade e diligência, as qualidades pessoais podem atingir seu ponto culminante. Ainda assim, qualquer apego associado a essas qualidades só vai nos trazer complicações.


Mantenha-se livre e sem autocentramento — este é o meu conselho do coração.


[25] Fazendo surgir granizos e trovões, jogando feitiços e, ao mesmo tempo, protegendo-se de tudo isso, podemos pensar que estamos dominando o que há para ser dominado. No entanto, prejudicando outros seres, vamos acabar nos reinos inferiores.


Mantenha-se humilde — este é o meu conselho do coração.


[26] Podemos possuir em abundância os mais desejáveis textos, conselhos dos mestres, notas e assim por diante. Ainda assim, se não colocamos tudo isso em prática, na hora da morte eles não serão de nenhuma utilidade.


Estude a sua própria mente — este é o meu conselho do coração.


[27] Quando praticamos com diligência, podemos ter muitas experiências ou insights, discuti-los com os outros, escrever versos ou mesmo cantar canções sobre a realização. Apesar de essas coisas serem manifestações naturais da prática, elas irão aumentar a dispersão mental.


Mantenha-se afastado da intelectualização — este é o meu conselho do coração.


[28] Independente de quais pensamentos surjam, é importante que nós os olhemos de frente. Da mesma forma, tendo uma compreensão clara da mente, é importante sustentar essa compreensão. Apesar de não haver sobre o que meditar, é importante nos mantermos nessa meditação.


Mantenha-se sempre vigilante — este é o meu conselho do coração.


[29] No meio da vacuidade, agindo de acordo com a lei de causa e efeito, tendo compreendido a não-ação, mantendo os três votos com absoluta compaixão, possamos nos esforçar para o benefício de todos os seres.


Una as acumulações de mérito e sabedoria — este é o meu conselho do coração.


[30] Apesar de termos seguido muitos Lamas sábios e realizados, de termos recebido inúmeras instruções profundas e de termos lido alguns sutras e tantras, ainda não os colocamos em prática.


Cuidado! Você está se enganando.


Através de minha própria experiência e de outros como eu, recitei esses trinta conselhos vindos do coração. Que os méritos, mesmo que pequenos, surgidos deste espírito de renúncia, venham a beneficiar e guiar todos os seres sencientes nessa selvagem existência cíclica, e que estabeleçam uma bênção incomensurável.


Que todos nós, seguindo os passos dos buddhas e bodhisattva dos três tempos e de todos os grandes seres iluminados, possamos nos tornar seus filhos supremos.


Assim, inspirado por uma pequena renúncia, Tsültrim Lodrö [Longchenpa] concebeu esses trinta conselhos vindos do coração.


Fonte:
DharmaNet - adaptado da tradução de Eliane Steingruber

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